Nesse artigo falamos do medo da página em branco e propomos algumas estratégias para desbloquear a escrita.
Parte 1 – A Delimitação do Tema
Muitos estudantes e autores relatam dificuldades em iniciar um texto. Alguns dizem sentir certo pavor quando se veem diante da página em branco. Eu mesma já passei por isso algumas vezes na vida.
Ao longo de minha experiência como autora e revisora pude perceber que em muitos aspectos essa apreensão ou dificuldade advém de um planejamento do texto deficiente ou inexistente. É muito comum o autor ter a percepção de que conhece tão bem o assunto sobre o qual deseja escrever, e muitas vezes conhece mesmo, que não percebe ser necessário delimitar para si até que ponto deseja trabalhar esse conhecimento. Da mesma forma que uma palavra solta em uma biblioteca ou num site de busca tem pouca serventia, visto que se não corretamente circunscrita evoca uma pluralidade de significados e remissivas, o tema principal da escrita deve ser delimitado.
Há muitas formas de se delimitar um assunto ou um personagem
Uma delas é fazer um roteiro pequeno, com início, meio e fim com os fatos ou tópicos mais relevantes para a história que se deseja contar. Isso é válido também para textos acadêmicos, que igualmente precisam ser estruturados de modo a diminuir, concentrar, circunscrever o tema principal da pesquisa.
O Roteiro
Um roteiro bem=sucedido não é o mais longo ou detalhado, mas aquele cujos fatos principais da história ou da tese/dissertação estão adequadamente encadeados. Isso significa que os eventos-chave, ou seja, essenciais, estão bem descritos.
Esse roteiro não precisa ser enxuto ou definitivo, ele poderá ser revisitado e reavaliado ao longo do processo de escritura sempre que houver necessidade. Além de uma função eminentemente prática de auxiliar a memória, o roteiro tem uma função psicológica. Ele ajuda a mente a se concentrar no essencial e a não se dispersar em divagações.
Feito o roteiro, se a dificuldade em iniciar o texto permanecer, existem algumas estratégias que poderão ser utilizadas para soltar a escrita.
O brainstorm
Essa técnica nada mais é do que uma escrita solta, de livre-associação de ideias, muitas das quais não diretamente relacionadas com o tema que o autor almeja tratar. Muitos, de início se assustam um pouco com isso e me perguntam da utilidade desse fluxo de pensamentos. O brainstorm permite ao escritor acessar camadas subconscientes com o aparecimento de palavras, fatos, ideias, aparentemente desconectados, mas que estão, estavam e estarão presentes em algum momento da sua escrita, porém foram soterrados pelo crivo moral, estético ou intelectual. Não é raro os autores aproveitarem bastante o material resultante do brainstorm nas etapas mais adiantadas de seu texto. E nele poderá surgir a primeira palavra ou expressão de seu texto.
A Primeira Palavra (frase de efeito)
Já ouvi relatos sobre um fenômeno chamado “o conforto da primeira palavra”. Trata-se de um bom encontro do autor com seu texto. Ocorre quando uma determinada frase ou uma palavra se impõem ao texto, definindo assim o tom de um personagem ou mesmo o tom da escrita. É assim,por exemplo, que Virgínia Woof começa seu maravilhoso romance Mrs. Dolloway: “Clarissa disse que àquela manhã ela mesma compraria as flores”. Ou como o famoso “Nonada” de Guimarães Rosa, de Grande Sertão: Veredas,e o icônico “the Winter is coming” da obra A Guerra dos tronos, de George Martin.
Às vezes essas “aparições” são chamadas, na minha opinião erroneamente, de frases de efeito. Elas não produzem um efeito de fato no texto, não necessariamente são figuras de linguagem ou de discurso, porém permitem uma acomodação de sentimentos no autor, que se sente confortável em se valer dessa persona, dessa.voz.
Seria, na verdade, numa forma do autor “entrar” no personagem, encontrando a sua voz. Entretanto, como isso é um pouco raro, o autor não deve se engessar esperando essa aparição quase sobrenatural da primeira palavra. Escrita é ritmo, já dizia Virgínia Woolf, e escrita é persistência, digo eu.
Descrição Curta – Parágrafo Introdutório
Há também uma terceira via, bastante interessante de se iniciar um texto, que é fazer uma breve descrição (geralmente em um parágrafo) do assunto sobre o qual versará aquele empreendimento literário. É particularmente utilizado no mundo acadêmico, sobretudo nas escolas inglesas. Nada mais é do que um roteiro extremamente curto, elaborado para situar o leitor – não o autor – no texto. Por incrível que pareça, é uma forma muito engenhosa de provocar na mente um poder de síntese e concentração que serão muito importantes no decorrer da consecução do projeto, além de sempre fazer com que o autor se recorde que o ser mais importante não é ele, e sim o leitor que o lerá no futuro.
A Epígrafe
Agora, a quarta dica. Epígrafe! Uma boa epígrafe, que verdadeiramente sensibiliza o autor, que toca sua alma pode vir a ser literalmente uma porta de entrada para o tão almejado texto. O escritor poderá iniciar uma espécie de diálogo com esse texto prévio, uma conversa repleta de significados e conteúdos emocionais, que poderão auxiliar a um maior contato com sua emotividade e com os reais motores daquela comunicação. Uma epígrafe famosa é a citação de Satyricon em T.S Eliot, que a utiliza na Terra Devastada. Outra famosa, é a de Hamlet no conto El Aleph, de Borges.
A Persona
Se nada adiantar, há ainda uma quinta possibilidade. Assumir uma pessoa que não é a sua e falar através dela. Às vezes quando o autor está muito impregnado do tema de seu texto, quer por uma pesquisa complexa como a de um doutorado, quer por um texto muito elaborado como um romance, pode surgir certa resistência a entrar no objeto de entrega. Colocar um texto no mundo é uma entrega sim, discutiremos esse assunto mais detidamente em outro artigo, e isso pode causar certo desconforto e uma profunda angústia. Para driblar essa sensação desconfortável de perda, sugiro sempre que o autor imagine ser outra pessoa falando sobre o mesmo tema. Dessa forma, imagino eu, ele se retira da angústia do indizível – já que não é viável se dizer tudo sobre algo – e focar no que é essencial dizer. Esse recurso costuma ajudar bastante.
Para concluir, decidir-se escrever sobre algo não é uma tarefa fácil, necessita coragem. Mas se você tomou essa decisão, mantenha a calma e vá em frente.Todos os exercícios propostos aqui têm como objetivo auxiliar o início do processo de escrita. São infalíveis? Não. São os únicos? Também não. Porém são úteis para tirar o desespero da página em branco. E lembre-se, escrever é persistir, e nunca desistir.
#dicasdeescrita
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